INTRODUÇÃO
As expressões “Pedra Bruta” e “VITRIOLUM” (ou VITRIOL), são recorrentes em muitas tradições, ainda que simbolizadas de modos diferentes. Aqui foram consideradas no simbolismo da maçonaria esotérica.
Outros estudantes poderão ter interpretações distintas, ainda que a essência permaneça.
(Nota do revisor: Símbolos esotéricos tem por características uma mesma essência com significados distintos e peculiares ao grau de desenvolvimento intelectual e espiritual do observador. Por tal motivo a maçonaria esotérica utiliza como principal ferramenta iniciática os símbolos esotéricos, que servem para todos os níveis de desenvolvimento, mesmo que as interpretações pessoais e individuais divirjam.)
SIGNIFICADOS DAS EXPRESSÕES
PEDRA BRUTA
São pedras, detritos, minerais e rochas encontradas na natureza sem que haja qualquer trabalho humano sobre elas, a não ser a lavra necessária para sua extração.
As pedras devem ter as qualidades fixas necessárias e são cortadas em blocos com dimensões e formatos aproximados para, depois de lapidadas em uma peça perfeita, poderem ser empregadas na estrutura ou ornamentação de uma Grande Obra de arquitetura.
VITRIOLUM OU VITRIOL
VITRIOLUM ou VITRIOL são dois acrônimos, ou seja, uma palavra formada pelas iniciais de outras que, em alguns casos, podem ser compreendidas como um anagrama (permutação de letras de uma palavra transformando-a em outra), como por exemplo os termos “AMOR” e “ROMA”, “AMÉRICA” e “IRACEMA”.
Um anagrama pode ter objetivo educacional ou velar um significado real.
V∴I∴T∴R∴I∴O∴L∴ é o acrônimo do latim "Visita Interiora Terrae Rectificando Invenies Olcultum Lapidem", traduzido como "Visite o Interior da Terra e Retificando encontrará a Pedra Oculta".
V∴I∴T∴R∴I∴O∴L∴V∴M∴ em latim significa "Visita Interiora Terrae Retificando Invenies Ocultum Lapidem Verum Medicinam", que traduzido, lê-se "Visite o Interior da Terra e Retificando Encontrará a Pedra Oculta da Verdadeira Medicina".
VITRIOL ou VITRIOLUM são fórmulas elaboradas por alquimistas medievais (séc. XII) para lembrar e ocultar processos e objetivos específicos, podendo, por isso, serem consideradas um anagrama que indicava sua busca no interior da terra daqueles elementos secretos da Pedra Filosofal, que é capaz de transmutar uma matéria inferior em outra superior.
Nas lendas e no simbolismo alquímico, corresponde em transformar um metal menos nobre em prata ou, principalmente, no ouro, sendo essa a Grande Obra alquímica
PRIMEIRA LEITURA SIMBÓLICA
O mais recomendado para as primeiras leituras de um símbolo, (e a comparação deste com outros), é identificar seus elementos básicos essenciais e o que representam, seja pela composição, pela forma, sua utilidade no que se insere, sua origem, suas cores e assim por diante.
A Pedra Bruta e o VITRIOL se referem a um elemento retirado da natureza, mas não é um elemento qualquer. Há algo especial nele que o diferencia de outros adjacentes.
Uma pedra para a construção, conforme sua finalidade, deve ter qualidades de resistência, uniformidade e outros atributos que permitam que ela seja trabalhada para sua finalidade última, a Grande Obra.
Quando se lê no anagrama VITRIOL que se “encontrará” a “Pedra Oculta”, denota-se que não será encontrada qualquer pedra, mas aquela pedra com qualidades especiais e que está escondida.
Nos dois casos, Pedra Bruta e VITRIOL, as pedras serão específicas e aqueles que trabalharão sobre elas deverão ter o treinamento necessário para saber encontrá-las.
A primeira leitura simbólica indica que tanto as pedras como os seus buscadores deverão ser especiais, mas cabe uma ressalva importante em relação à especialização daqueles que as procuram. Eles precisam de alguma habilidade inicial, pois, sem esforço para atingir a competência indispensável, de nada adiantarão essas primeiras aptidões.
Adquire-se a competência pelo esforço, disciplina, persistência, aquisição do hábito do estudo e práticas que transformarão o buscador naquele que realmente poderá identificar e coletar essas pedras.
Muitas vezes alguém que, aparentemente, possui poucas habilidades suplantará essas dificuldades iniciais com o desenvolvimento da sua competência.
SEGUNDA LEITURA SIMBÓLICA
Há competências essenciais para os buscadores, mas existem distintas maneiras de se aprimorar na empreita de encontrar e trabalhar com essas pedras. Trata-se de um desenvolvimento individual distinto e, por isso, será no trabalho coletivo e com companheirismo que se encontrará as experiências necessárias para a realização do que se pretende na Grande Obra da arquitetura ou da alquimia.
É possível refletir que, apesar de ambas estarem na natureza, as pedras possuem qualidades intrínsecas nem sempre visíveis a olhares destreinados. No VITRIOL isso fica muito claro quando menciona uma “pedra oculta”.
Portanto, as pedras estão no interior da natureza e se infere, assim, no interior do próprio ser humano, já que ele também faz parte e é a própria imagem (reflexo) da natureza.
Na natureza quem tem e pode encontrar essas pedras é o ser humano no exercício de sua vontade. Demais elementos e seres da natureza, ou são inertes, ou são impulsionados por estímulos primários, ou ainda, pelos instintos sem reflexão consciente.
Somente o ser humano é capaz de desenvolver uma identidade, uma consciência, saber de seus prazeres e dores, ter ciência de sua finitude, ser inventivo, compreender que, mesmo tendo similaridades com demais animais superiores, ele é especial.
O ser humano pode ser equiparado à Pedra Bruta e à Pedra Oculta que são especiais. Contudo, deve-se considerar, pelo simbolismo, que a pedra ainda está bruta, não está pronta para sua utilização ou, no VITRIOL, está oculta no “interior da terra”. Por este último se entrevê que há um poder oculto de transformação.
O ser humano é especial pela sua própria natureza, mas há algo nele que ainda está bruto ou velado.
As expressões simbólicas denotam que essas qualidades estão no interior do próprio ser humano, ocultas, dissimuladas, mas que estão lá, e não em algum lugar externo.
Logo, do mesmo modo que os instintos estão velados em cada pessoa, as suas outras qualidades também estão ocultas em seu interior.
Ele precisa desenvolver competências para encontrar essas pedras e trabalhá-las. Isso significa que ele deverá aprimorar seus olhares e seus sentidos para encontrar as pedras corretas e ser capaz, com o desenvolvimento de sua consciência e vontade, de se distinguir dos outros animais, que são movidos pelos instintos para a pura satisfação de suas necessidades primárias.
São competências para compreender e dirigir esses instintos primitivos e alcançar uma percepção mais elevada em prol de si mesmo e no auxílio dos outros, que se pretendia desenvolver as mesmas qualidades em prol da edificação ou da transmutação de metais comuns em preciosos. Como esses instintos fazem parte da natureza humana, não se deve pretender anulá-los e sim saber extrair deles o que há de especial.
Trabalhar a Pedra Bruta, desbastando-a (polindo-a) para se encaixar perfeitamente em uma grande obra e igualmente, no linguajar alquímico, ser capaz de transmutar o homem comum em homem divino (chumbo em ouro).
UMA ABORDAGEM ALÉM DA ESOTÉRICA
Além do contexto esotérico, também é possível uma abordagem através da psicanálise e da psicologia junguiana.
Desde o nascedouro da psicanálise, compreendeu-se que o inconsciente exerce poderosa influência em nossas escolhas e atitudes; e ele se estrutura por símbolos e analogias.
Resume-se nesta leitura a compreensão das forças inconscientes que representam a Pedra Bruta a ser lapidada e a ser transmutada pela energia da Pedra Oculta, mencionada no VITRIOL.
Serão citados muito sinteticamente apenas dois principais pensadores: Freud e Jung e suas ideias mais relevantes para este trabalho.
Na antiguidade já se tinha essa noção do inconsciente. Basta olhar a mitologia dos povos e reflexões filosóficas, entretanto será no século XX que esses conceitos serão mais bem compreendidos.
Freud desenvolveu a psicanálise e escreveu que o homem não é senhor de sua própria casa! Somos movidos inconscientemente por instintos e pulsões. Distingue-se com esse último termo uma forte energia fora da consciência que é estabelecida nas relações entre nossa história de vida (psicobiografia) aliadas aos instintos, emoções e sentimentos.
A compreensão das causas e consequências dessas pulsões permitem uma ressignificação delas na busca de uma melhor qualidade de vida. Essas forças tornam a psique dividida com múltiplos registros para cada evento, emoção e sentimento. A força dessa divisão, dessa clivagem, pode impedir um melhor entendimento e o domínio de nossas opções na vida. Ressignificação não se refere a uma anulação das pulsões e sim uma consciência e um exercício volitivo para uma melhor condução dessas pulsões. Portanto não é a luta contra o inconsciente e sim a compreensão do mesmo para dirigir e canalizar, essa poderosa energia.
Entre essas forças inconscientes destaca-se as referências a Eros e Narciso. Eros simboliza os impulsos sexuais e sensoriais, bem como as correlatas repressões dos diversos modos de prazer advindos e correspondentes a essa energia. Narciso corresponde à busca da identidade, da individualidade, que pode ser origem de muitos transtornos quando se confunde a imagem que se tem de si com a potencialidades reais tal qual ocorre no mito do Narciso que morre ao contemplar, ficar seduzido e se apaixonar por sua imagem, a do seu ego visível.
Jung, que foi discípulo de Freud, desenvolveu a psicologia analítica. Para ele também há um inconsciente similar ao freudiano. Entretanto estabeleceu um modelo de inconsciente coletivo bem complexo de ser compreendido e, por isso, muitas vezes divulgado com imprecisões e fantasias. Simplificando ele defendeu que a humanidade, em seu processo evolutivo, gerou certas características, estruturas, na relação cérebro mente análogas aos órgãos corporais. Essas características vieram através de experiências comuns e coletivas à própria humanidade.
Essas estruturas mentais criam uma espécie de recipiente a ser preenchido pelas experiências de cada povo com representações simbólicas conforme cada cultura, mas mantém uma essência comum. A essa estrutura ele denominou como inconsciente coletivo e suas representações como arquétipos tomando emprestado os conceitos gnósticos, especialmente dos Maniqueus. Esses arquétipos atuam em relações conjuntas com o inconsciente individual pressionando atitudes e escolhas pessoais.
Defendeu que o ser humano está constantemente em busca de sua “individuação”, uma espécie de reintegração de todas essas forças inconscientes sob uma vontade e inspiração desenvolvidas por cada pessoa, em uma atitude superior, sobre essas energias que conduzem, cada um, inconscientemente.
Os principais arquétipos junguianos são o do Herói, que atendendo a um chamado empreita uma jornada de transformação, a Animus e Anima, os aspectos das energias masculina e feminina presentes em todos independentemente do gênero e os arquétipos do Ego, da Sombra e o Self. O Ego é algo como a consciência de si, o que o distingue de outras pessoas, a Sombra é tudo aquilo que não admitimos ser, o lado obscuro do ser (lembra os impulsos recalcados do inconsciente freudiano). O Self é o mais íntimo e o impulsionador da individuação e realizará o mito do herói. Será no embate e nas relações entre os arquétipos, em especial no embate entre o Ego com a Sombra, que o Self encontrará o seu caminho para poder levar à individuação, uma espécie de unidade, de integralização do ser. Claro que aqui está uma simplificação do processo.
Neste trabalho pode-se depreender, de Freud e Jung, que temos forças inconscientes muito poderosas que exercem uma pressão sobre nossas atitudes e que somente com muita inspiração, intuição e uma busca reflexiva sobre a ressignificação de novas possíveis escolhas que o ser humano será capaz de sair de um lugar comum e deixar de ser um joguete nas mãos do inconsciente, das pulsões, dos impulsos mais instintivos e sombrios de nossa psique.
Essas novas atitudes são análogas ao encontrar e lapidar a Pedra Bruta ou a encontrar a Pedra Oculta no interior da terra capaz de transmutar nossos instintos, pulsões e sombras em algo novo e superior em busca de uma reintegração do ser dividido e de um domínio sadio sobre essas energias inconscientes. A Pedra Oculta será a verdadeira medicina, a cura, para o ser humano.
REFLEXÕES SOBRE POSSÍVEIS ANALOGIAS BÍBLICAS
Nas várias formas de registros dos diversos povos, desde a mais remota antiguidade, encontram-se referências a essa jornada e busca da Pedra Bruta e da Pedra Oculta. Coloca-se aqui em tópicos, algumas reflexões sobre passagens bíblicas como estímulo a outras possíveis investigações relacionadas aos símbolos deste trabalho.
1) No Gênesis Adão foi feito do pó da terra e se torna uma alma vivente com o sopro divino em suas narinas.
Interpretação: Algo no interior do ser humano lhe vivifica. Algo muito mais do que apenas insuflar vida. Os animais e plantas também vivem e não receberam esse sopro. Sendo assim o pó da terra pode ser análogo à Pedra Bruta também retirada do solo e que receberá o sopro da alma vivente. Esse influxo recebido, em nosso interior, pode ser comparado à Pedra Oculta capaz de transmutar a terra comum em ouro, algo superior distinto dos animais.
2) No Gênesis Eva deixa-se levar pelas sugestões da serpente e come o fruto da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal oferecendo-o a Adão. Essa atitude leva-os a serem expulsos do Paraíso.
Interpretação: Deixar ser induzida pela serpente é querer sair do mundo animal, é tomar consciência. Essa ação leva à queda da humanidade, ao afastamento dos mundos superiores rumo à criação em mundos mais densos. Adquirir o conhecimento da dualidade, da polaridade das energias criadoras, do bem e do mal, e a possibilidade de exercitar o livre arbítrio, a escolha consciente. Deixar de ser um animal apenas instintivo, portanto inocente. Tomar consciência é o que significa ser expulso do Paraíso. Como consequência a humanidade sofrerá dores até se reintegrar e retornar aos mundos superiores, trocando a inocência pela responsabilidade. A humanidade, em Adão e Eva, exerceu o impulso necessário para construir a consciência, ouviu um chamado para se diferenciar dos outros animais inconscientes do bem e do mal. O ser humano procurou a Pedra Oculta capaz de transmutá-lo e por isso trabalhará, com esforço, a Pedra Bruta lapidando-a para a Grande Obra.
3) No Êxodo Moisés enfrenta um soldado egípcio e o mata. Se refugia durante muitos anos até ouvir o chamado da Sarça Ardente para libertar o povo escravizado rumo à Terra Prometida. Atravessa um mar, percorre um deserto, sobe ao monte onde ouve Deus e suas instruções, gravadas em pedra, enquanto o povo, cansado, se entrega à adoração de um bezerro de ouro. Moisés rechaça essa atitude com muita veemência.
Interpretação: Moisés deixa-se abater por um impulso e compreendendo as consequências de seu ato se refugia. Após uma vida relativamente normal, porém reflexiva e de humildade (já que antes vivia no palácio do faraó), ele é capaz de receber a inspiração divina e irá se libertar dos próprios desejos à mercê do ego, representados com povo escravizado pelo faraó. Moisés se purifica na travessia do mar, nas provas do deserto (confiante recebe o alimento dos céus) para finalmente encontrar no Monte Sinai as orientações divinas (ele se elevou). Enquanto isso seus desejos mais primitivos retornam à adoração do bezerro, símbolo de impulsos animalescos. Moisés combate com energia a situação para só então poder construir um tabernáculo, um templo, e se dirigir à Terra Santa, à Terra Prometida. Foi necessário vencer e direcionar seus desejos para encontrar Deus em duas ocasiões especiais (Sarça e Sinai). O fogo ardente, que não queima, lhe deu a possibilidade de se elevar e rechaçar seus desejos inferiores ao descer do Sinai. Trabalhou a Pedra Bruta após o chamado da Pedra Oculta.
4) No Êxodo, em outra ocasião, Moisés ergue uma serpente de bronze em uma vara vertical para curar e apaziguar os ânimos que o povo enfrentava pelas serpentes rastejantes do deserto
Interpretação: As serpentes rastejantes são os impulsos e desejos inferiores e venenosos. A serpente erguida verticalmente é direcionar seus esforços para sublimar esses impulsos e canalizar suas energias ao alto. Bastava o povo olhar para a serpente dourada e enrolada verticalmente para serem curados dos venenos das demais serpentes. Similar à Pedra Oculta que geraria a Pedra Filosofal e ao seu toque transmutaria o chumbo em ouro ou, também, ao VITRIOLUM que indica a Pedra Oculta como a verdadeira medicina.
5) No Êxodo (também em Deuteronômio e Josué), Moisés recebe a obrigação de construir um altar de sacrifícios à Deus. Ele o faz ao sopé do Monte Sinai com Pedra Bruta e coloca doze marcos em referência às doze tribos de Israel.
Interpretação: Moisés percebe que deve trabalhar com humildade mesmo tendo alcançado uma grande elevação espiritual (o Sinai). Precisa aprender que ainda tem de controlar seus desejos inferiores (sacrifícios de animais), trabalhar a sua Pedra Bruta na busca de sua Pedra Oculta que está encoberta por qualidades naturais, positivas e negativas, representadas pelo caminho do sol ao longo das doze casas zodiacais.
RESUMO
O ser humano é especial:
1. É um ser humano distinto dos demais animais pois recebeu o sopro divino
2. Possui uma energia interna capaz de transmutá-lo em uma consciência ainda mais superior
3. Têm habilidades inatas e pode desenvolver competências potenciais para essa transmutação.
A Pedra Bruta assim como a Pedra Oculta está simbolicamente no interior do ser humano e faz parte de sua própria natureza. A vontade, ou o desejo superior, pode levar a uma competência, a um conhecimento (Gnose) que reside em seu interior e é capaz de lapidar seus impulsos inferiores e transmutá-los em algo elevado para a sua reintegração com os mundos superiores em um retorno consciente ao Paraíso, já que antes ele o habitava sem essa plena consciência.
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