Caríssimos.
Já dissemos nas instruções em loja que existe a verdadeira iniciação e a falsa iniciação, a qual denominamos de "contra-iniciação".
A contra-iniciação, ou seja, a falsa iniciação é algo que se apresentaria como uma verdadeira iniciação e até mesmo pode dar a impressão de ser verdadeiramente uma iniciação, porém ela propõe e segue o caminho inverso da iniciação verdadeira.
Não obstante, o fato é que há uma espécie de simetria, ou por assim dizer de uma equivalência (mesmo que seja no sentido inverso), e que, sem duvida, possui ensinamentos que coadunam e fazem parte das pretensões daqueles que se ligam à falsa iniciação, que na realidade não existe e não pode jamais existir.
Convém insistirmos neste ponto específico, já que muitos se deixam enganar pelas aparências da contra-iniciação, pois oferecem aquilo que sua imaginação quer fazer existir.
Assim, há no mundo duas organizações, opostas uma da outra e que disputam a supremacia, que numa linguagem teológica, coloca Satã (opositor) no mesmo nível de Deus, um confronto de bem e mal (maniqueísmo) cuja origem remonta comumente aos Maniqueus.
Esta concepção serve apenas para negar a Unidade suprema que está além de todas as oposições e antagonismos. Uma negação assim não deve nos surpreender, pois demonstra ao mesmo tempo que a verdade metafísica, até nos seus princípios mais elementares, pode ser totalmente estranha ou adulterada neste mundo, porém no inefável são partes de uma única e mesma verdade.
Importa-nos aqui assinalar, antes de qualquer coisa, que a "contra-iniciação" não é algo que surgiu de forma independente e autônoma. Se a contra-iniciação houvesse nascido espontaneamente, ela não seria nada além de uma invenção humana e se igualaria a pura e simples "pseudo-iniciação" (sem efeito).
Para que a contra-iniciação seja o que ela realmente é, mais que apenas isso, é necessário que, de certo modo, ela também proceda da fonte única que se liga a verdadeira iniciação, e, mais genericamente, a tudo aquilo que se manifesta em nosso mundo num elemento "não-humano" procedente dela.
Assim, a contra-iniciação é a manifestação da unidade neste mundo de maneira inversa, que realmente constitui aquilo que podemos chamar propriamente de "satanismo".
Devemos observar que, de fato, a contra-iniciação se trata de uma iniciação desviada e desnaturada, e que, por isso mesmo, não tem direito de ser qualificada como uma verdadeira iniciação, posto que ela não conduz o iniciado ao fim essencial da verdadeira iniciação e inclusive, faz distanciar o ente humano dela ao invés de aproxima-lo.
Não falarmos aqui de uma iniciação trocada e reduzida a sua parte inferior ou inversa, como pode normalmente ocorrer por ai em certos casos e que chamamos pseudo-iniciação.
A alteração é muito mais profunda, havendo nela dois estados diferentes num mesmo processo de degeneração.
O primeiro ponto de partida será sempre uma consciência de rebelião contra uma autoridade hierárquica legítima, sendo a pretensão do ego obter uma independência do seu iniciador a qual não deve e nem poderia existir.
Dessa rebelião do ego, que oculta da consciência todo voto juramentado de respeito e obediência à hierarquia, resulta imediatamente o rompimento do elo da cadeia iniciática e a perda do contato efetivo com a egrégora ou centro espiritual verdadeiro e, portanto, a impossibilidade de alcançar os estados supra-humanos que a verdadeira iniciação promove, e que nela ainda subsiste. Esse desvio não poderia ir mais longe, porém ele vai agravando-se seguidamente, passando por graus diversos de subversão até chegar, nos casos extremos, quando ocorre a "inversão" da qual falamos anteriormente.
Logo, a primeira consequência disto, é que a "contra-iniciação", quaisquer que possam ser as suas pretensões, não é na verdade mais que um beco sem saída, já que ela se tornou doravante incapaz de conduzir o membro para mais adiante da condição humana. E é neste estado mesmo, de homem animal que ocorre o fato da "inversão" que a caracteriza, desenvolvendo modalidades e práticas que são as de ordem mais inferiores e até sensuais.
No esoterismo islâmico é dito que aquele que se apresenta diante de certa "porta", sem ter chegado a ela por uma via normal e legítima, vê esta porta se fechando diante dele, e é obrigado a voltar atrás, porém, não como um simples profano que bate a porta da iniciação, mas de agora adiante como Sâher (um bruxo ou feiticeiro).
Este exemplo sufi (esoterismo islâmico) não poderia ter expressado melhor e com maior nitidez sobre aquilo que tratamos, a contra-iniciação.
Outra consequência da contra-iniciação, é talvez a mais importante, é o fato de romper a cadeia iniciática, quebrar a conexão com a egrégora, privando a si e todos os membros da "influencia espiritual" daquele centro.
E essa consequência já basta para que se demonstre que essa ordem, essa organização, esse iniciador, não possui a verdadeira iniciação, posto que esta, como explicamos anteriormente, está essencialmente constituída pela transmissão desta influência espiritual através de um centro, por meio da egrégora da sua cadeia iniciática.
Não obstante há na contra-iniciação algo que se transmite, uma influência de ordem “emocional", tomando de certo modo e inevitavelmente um caráter psíquico "diabólico" ou “satânico”.
Segundo a doutrina islâmica, é pela Nefesh (a alma animal) que Shaitan consegue prender o homem à matéria, enquanto que pela Rûah (o espírito), cuja essência é pura luz, o homem se liberta, pois está além de seus ataques. É por isso porque a "contra-iniciação" em nenhum caso poderia tocar o domínio metafísico de Neshamá (alma espiritual), que lhe está proibido pelo seu caráter puramente espiritual.
É fácil compreender, entretanto, que esta influência emocional domina a mente e com isso pode imitar igualmente a influência espiritual em suas manifestações exteriores, ao ponto de aqueles que se detém nas aparências, chegam a equivocar-se à respeito pensando estar praticando a verdadeira iniciação.
A primeira (verdadeira iniciação) origina-se na mesma ordem de realidade, a espiritual, porém a ela está ligada sem romper a cadeia.
A segunda, também está ligada na primeira realidade, porém as manifestações produzidas são imitações invertidas da primeira. (num sentido comparável a este, "Satã é o imitador de Deus"). Poderíamos dizer ainda que da mesma forma, os elementos evocados pelo necromante (contra-iniciação) imitam um ser consciente evocado na senda que pratica a verdadeira iniciação.
E como poderíamos distinguir esses elementos evocados pelas duas sendas, iniciação e contra-iniciação.
Diga-se de passagem, ambas sendas demonstram alguns fenômenos idênticos entre si, porém elas diferem completamente em suas causas e razões mais profundas. É aqui que se acha a distinção, pois a iniciação verdadeira está voltada a libertação espiritual coletiva da humanidade, enquanto a contra-iniciação volta-se ao egoísmo, á aquisição de bens e ao bem individual apenas dos seus membros.
Logo, enquanto a senda da verdadeira iniciação trabalha para cura espiritual da coletividade e emancipação espiritual da alma, a contra-iniciação trabalha para enriquecimento pessoal dos membros, de forma que ele se prenda cada vez mais ao mundo inferior.
Eis uma das razões pelas quais convém não conceder nenhum valor a aos fenômenos espirituais, mas às finalidades iniciáticas, porque, quaisquer que fossem os fenômenos, nada podem provar a respeito da questão da pura espiritualidade.
Dito isto, podemos aqui precisar os limites que há entre a "contra-iniciação" e a “verdadeira iniciação”. É evidente que estes limites são os limites do próprio ser humano, com suas múltiplas modalidades e necessidades. Dito de outra maneira, a contra-iniciação limita-se a existir senão no domínio dos "pequenos mistérios", enquanto que os "grandes mistérios", que se refere aos estados supra-humanos, está por sua mesma natureza, além da contra-iniciação, estando inteiramente conectada a verdadeira iniciação, conforme a ortodoxia tradicional e a hierarquia espiritual.
FR+ Irmão Leigo
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